sábado, 24 de janeiro de 2015

A música ouvida por Fernão Mendes Pinto

O aventureiro Português, a páginas tantas da sua Peregrinação pelo Extremo Oriente, descreve a Missa cantada que o herói António de Faria ouviu aquando do seu triunfal recebimento, a um Domingo de 1542, na povoação portuguesa de Liampó, na China.

Note-se que na época a Liturgia era celebrada em Latim, excepção feita aos sermões, e aos vilancetes, que eram pequenos poemas em língua vernácula; as orações cantavam-se em canto chão, isto é a uma só voz (canto gregoriano tardio), alternado com o canto d'órgão, ou seja a múltiplas vozes com ou sem o acompanhamento de instrumentos musicais de sopro ou corda (polifonia do Renascimento).

Quem na Liturgia de hoje cantar o gregoriano ou a polifonia saberá por experiência que o que vem adiante narrado não é mentirosa ficção nem desvirtuada paixão.
Capítulo 69
De que maneira António de Faria foi levado à Igreja, e do que passou nela até a Missa ser acabada.
Abalando-se daqui António de Faria, o quiseram levar debaixo de um rico pálio, que seis homens dos mais principais lhe tinham prestes, porém ele o não quis aceitar, dizendo que não nacera para tamanha honra como aquela que lhe queriam fazer, e seguiu seu caminho sem mais fausto que o primeiro, que era acompanhá-lo muita gente assi Portuguesa, como da terra, e doutras muitas nações que ali por trato de mercancia era junta, por ser este o milhor e o mais rico porto que então se sabia em todas aquelas partes, e levava diante de si muitas danças, pélas, folias, jogos, e antremeses de muitas maneiras que a gente da terra que connosco tratava, uns por rogos, e outros forçados das penas que lhes punham, também faziam como os Portugueses, e tudo isto acompanhado de muitas trombetas, charamelas, frautas, orlos, doçainas, harpas, violas d'arco, e juntamente pífaros, e tambores, com um labarinto de vozes à Charachina de tamanho estrondo que parecia cousa sonhada. Chegando à porta da igreja, o saíram a receber oito padres revestidos em capas de brocado e telas ricas, com procissão cantando Te Deum laudamus, a que outra soma de cantores com muito boas falas respondia em canto d'órgão tão concertado quanto se pudera ver na capela de qualquer grande Príncipe. Com este aparato foi muito devagar até a capela mor da igreja, onde estava armado um dorsel de damasco branco, e junto dele ũa cadeira de veludo cramesim com ũa almofada aos peis do mesmo veludo. E assentando-se nesta cadeira ouviu Missa cantada oficiada com grande concerto, assi de falas, como de instrumentos músicos, na qual prégou um Estêvão Nogueira que aí era Vigairo, homem já de dias e muito honrado, mas como ele pelo descostume andava mal corrente na prática do púlpito, e de si era fraco oficial, e pouco ou nada letrado, e sôbre isto vão e presuntuoso de quasi fidalgo, querendo então, por ser dia sinalado, mostrar quanto sabia, e quão reitórico era, fundou todo o sermão em louvores somente de António de Faria, com ũas palavras tão desatadas, e por uns termos tanto sem concerto, que enxergando os ouvintes em António de Faria, que estava corrido e quasi afrontado, lhe puxaram alguns seus amigos pelo sobrepeliz três ou quatro vezes para que se calasse, e caindo ele no que era, como homem acordado na briga, disse alto que todos o ouviram, fingindo que respondia aos amigos: «Eu falo verdade no que digo, pelos Santos Evangelhos, e por isso deixai-me, que faço votos a Deus de dar com a cabeça pelas paredes por quem me salvou sete mil de cruz que mandava de emprego no junco, os quais o pêrro do Coja Acém me tinha já levado pelo pau do canto como jogador de bola, que mau inferno lhe dê Deus na alma lá onde jaz, e dizei todos Amén.» E com esta desfeita foi tamanha a risada na gente que não havia quem se ouvisse na igreja. Despois que o tumulto foi calado, e a gente quieta, vieram seis mininos da sancrestia, em trajos de Anjos com seus instrumentos de música todos dourados, e pondo-se o mesmo padre em joelhos diante do altar de Nossa Senhora da Conceição, olhando para a imagem com as mãos alevantadas, e os olhos cheios de água, disse chorando em voz entoada e sintida, como que falava com a imagem: «Vós sois a rosa, Senhora», a que os seis mininos respondiam: «Senhora, vós sois a rosa», descantando tão suavemente cos instrumentos que tangiam, que a gente estava toda pasmada e fora de si, sem haver quem pudesse ter as lágrimas, nascidas da muita devação que isto causou em todos. Após isto, tocando o Vigairo ũa viola grande ao modo antigo, que tinha nas mãos, disse com a mesma voz entoada algũas voltas a este vilancete, muito devotas e conformes ao tempo, e no cabo de cada ũa delas respondiam os mininos «Senhora, vós sois a rosa», o que a todos geralmente pareceu muito bem, assi pelo concerto grande da música com que foi feito, como pela muita devação que causou em toda a gente, com que em toda a igreja se derramaram muitas lágrimas.


domingo, 11 de janeiro de 2015

Missa no Sacramento

O Reverendo Padre Armindo Borges ausentar-se-á nas próximas semanas para o estrangeiro, pelo que não poderá celebrar connosco a habitual Missa Dominical Cantada em Latim e Canto Gregoriano na Igreja do Santíssimo Sacramento junto ao Convento do Carmo em Lisboa ao meio-dia e um quarto. Regressará em finais do corrente mês, retomando a Missa no Sacramento no dia 1 de Fevereiro.

Já agora anunciamos que, nos próximos dias 21 e 22 de Março, a Paróquia dos Mártires receberá um côro de musicólogos alemães amigos do Padre Armindo, respectivamente na Basílica dos Mártires às 18h e na Igreja do Sacramento ao 12h15, para a celebração solene da Eucaristia do 1º Domingo da Quaresma.

Esta será uma rara oportunidade, que a todos apelamos a aproveitar, de celebrar a Santa Missa com o fausto e a dignidade que a Tradição prescreve.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Música do dia 1 de Janeiro, Solenidade da Santa Mãe de Deus, a Virgem Maria / Maria Sancta Dei Genetrix

Partituras:
  • Próprio autêntico (PDF); Outra versão (PDF);
  • Ofertório autêntico (PDF); Outra versão (PDF

Alleluia Post partum, aqui comentada por Tiago Barófio:

Post partum, virgo inviolata permansisti. Dei genitrix, intercede pro nobis
(mi plagale - IV modo)

Otto nuovi testi sono stati inseriti sulla melodia originale dell’Alleluia Post partum diffuso in tutta l’Europa latina. Lo iubilus – il melisma su Alleluia – è costituito da due sezioni ripetute con varianti (a a’ b b’), l’ultima delle quali (b’) costituisce il nucleo di una formula che caratterizza il verso con l’innesto DO MI SOL la (inVIOLAta, DEI GENITRIX). La parola chiave e centrale del breve testo è l’espressione teologicamente rilevante (Dei) genitrix con l’ampio melisma (c c d).
La Chiesa nel tempo ha modificato la prospettiva liturgica del 1 gennaio. Memoria della circoncisione di Gesù – il quale proprio con il rito dell’uso ebraico s’inserisce pienamente in quella tradizione –, il primo giorno dell’anno è stato scelto anche per rinnovare la fede in Cristo con un distacco netto e definitivo dalle abitudini idolatriche pagane. Oggi è stata ricuperata la celebrazione di Maria, venerata quale madre di D-i-o.
Molteplici vicende storiche e varie riflessioni teologiche hanno portato a ingigantire la presenza della vergine Maria nell’economia della salvezza e nella vita della Chiesa. Nel mondo latino ciò è successo quale conseguenza di un’atrofizzata sensibilità pneumatologica che ha finito per riversare sulla “figlia di Sion” aspetti che in primo luogo caratterizzano lo Spirito santo. In queste vicende hanno pesato due fatti non trascurabili. 
1] La dimensione femminile: essa segna non solo la struttura umana, ma è intrinseca alla natura stessa di D-i-o il quale non può essere ridotto a un prototipo maschile e, tanto meno, maschilista. Sarebbe un’ennesima caricatura e svierebbe dalla ricerca e dall’incontro con D-i-o. 
2] “S/spirito” nelle lingue semitiche è un sostantivo femminile. Fatto non trascurabile, anche perché facilita la comprensione della dimensione materna di D-i-o, come insegnano i Padri delle Chiese orientali, in primis quelli della tradizione siriaca. 
Chiarito questo punto nodale, momento necessario per evitare malintesi e il rischio di incorrere in aberranti forme di idolatria e di superstizione, ascoltiamo il cantore e quanto egli proclama a nome della Chiesa. Maria è presentata dall’evangelista san Luca come una ragazza spensierata d’Israel. Svolge le sue funzioni sociali come figlia nella casa paterna e aspetta di conoscere un uomo e divenire madre. Non ha grilli per la testa, non si pavoneggia per le proprie doti, non ha pretese. Osserva, ascolta, attende. Vive lo sbigottimento quando le parole di un messaggero la intontiscono. “Non può essere… Non può essere vero…”. Non recalcitra, non fugge, non rifiuta. Ascolta l’angelo, ascolta la voce del proprio cuore. “Sì, avvenga in me secondo la tua parola”.
Ciò che la creatura non può immaginare, quanto non é umanamente possibile, è compiuto dallo Spirito di D-i-o. Vergine, rimane inviolata, integra in tutto il suo essere. Corpo e spirito sono il tempio che accoglie il Figlio di D-i-o. Ante et Post partum, virgo inviolata permansisti.
All’inizio di un nuovo anno, tutti gli anni, la Chiesa suggerisce di affidarci all’intercessione di Maria. Lei sola può accompagnarci nella sequela di Cristo suggerendoci i passi da compiere per scovare spazi di solitudine orante dove possiamo ascoltare la voce di D-i-o. Alla scuola di Maria anche noi, se non siamo ancora capaci, dobbiamo imparare ad accogliere la Parola senza recalcitrare, senza fuggire, senza rifiutarla. Allora anche nel nostro cuore nascerà il Figlio di D-i-o. Con Maria faremo l’esperienza della vita in Cristo e saremo meglio disposti ad affrontare il cammino, forse impervio e spesso sconosciuto, di un nuovo anno. Dei genitrix, intercede pro nobis.

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